sábado, 15 de março de 2008

Finito

Ela não esperava nada daquele relacionamento. Nunca acreditou que um dia ele viesse a se apaixonar por ela. Não porque não confiasse no seu poder de encantamento, mas sabia que a atração era o único motivo de ficarem eventualmente juntos.
Nunca tinha olhado pra ele com desejo, nenhuma vez. Pra falar a verdade, ele nem fazia seu tipo. Era farrista, popular demais. Seu rosto denunciava mais idade do que realmente tinha. Era rude e debochado.
Dava sempre de cara com ele nos lugares. Mas sempre o viu como mais um amigo do seu irmão. Um cara bacana, divertido, e só.
E ela não sabe quando, mas a conversa dele começou a se tornar incompreensivelmente interessante. E quando ele sorria seu rosto se transformava...era bonito vê-lo sorrir. Sempre denunciava sua malícia. Começou a notar que ele bem que podia fazer seu tipo.
E um dia qualquer, numa farra qualquer, com umas cervejas a mais na cabeça, trocando idéias sobre música, veio o beijo. Lascivo. Provocante. Devorador.
E foi assim a noite inteira. E foi assim mais tarde em sua casa.
Quase transaram naquele dia. Eles arderam até de amanhã, mas ela não cedeu. Pensou que não seria certo se entregar na primeira vez. O que ele iria pensar dela? Será que ela ia se sentir bem depois?
O clima pesou, ele foi embora, e ela se sentiu pior. Devia ter dado de uma vez, pensou. Achou que eles não ficariam mais. E foi dormir frustrada.
Dali em diante, surpreendentemente, sempre se pegava pensando nele. E ria daquele pensamento ridículo. Ficava desdenhando, nunca poderia se apaixonar por ele. Sabia que ainda amava outro homem, então como poderia se sentir feliz em lembrar daquela noite?
E sem ela esperar, aconteceram outras noites, e todas foram completas. Ele fazia tudo do jeito que ela gostava, a satisfazia plenamente. E percebia que ele também se realizava com ela. Deliciavam-se no corpo um do outro. Cada vez que ficavam tinha um sabor diferente, sempre melhorava.
Mas o outro dia sempre chegava. Ele não ligava, não queria saber da vida dela, não se importava. Ela agia da mesma forma, conformada. Sabia fingir muito bem. Qualquer pessoa que a perguntasse sobre esse relacionamento saía convencido de que ela era uma mulher cabeça, moderna e que tinha plena consciência de seus atos. Que não iria sofrer, porque sabia que era só um caso, nada mais. Até ela chegou a acreditar nisso. Mas isso não durou mais do que um segundo.
Há poucos dias, ela se descobriu gostando dele verdadeiramente, curada do amor antigo. E contrariando o bom senso, ela se sentiu bem, muito bem. Sentiu-se leve, feliz. Sentiu-se viva de novo, liberta de um outro amor que a maltratava há muito tempo. Podia estar apaixonada por alguém - mesmo sabendo que não seria retribuída da mesma forma - mas essa paixão a resgatou do fundo do poço. Era grata por isso.
Até àquele fatídico dia.
Ela sabia sempre onde encontrá-lo, era muito fácil provocar um encontro. E foi o que fez naquele dia. Saiu de casa, como todas as outras vezes, dizendo que ia se divertir muito e que não esperava nada dele àquela noite. Se eles ficassem, ótimo. Se não, paciência. Ela voltaria pra casa sozinha, sem nenhum problema. Mas ela tinha o dom de se enganar. O seu único objetivo era dar a oportunidade de ficarem juntos.
E dessa vez, como de costume, ele a levou pra casa – e tadinha dela, foi cheia de esperanças, se perguntando o caminho inteiro quando finalmente ele iria ceder à tentação e beijá-la. Mas não ficaram. E ela precisava confessar que foi tudo muito estranho. Seu mundo ilusório tinha acabado de desmoronar.
Ele não a queria mais. Cuspiu na sua cara a verdade de não sentir mais nada por ela. Que não poderia levar adiante esse tipo de relacionamento. Primeiro, porque ele nunca quis ter um relacionamento. Não agora. Não com ela. Ele sempre tinha deixado isso muito claro. Segundo, porque ele a considerava, e sabia que continuando essa farsa, não faria bem pra ela. Não faria bem pra ninguém.
Ela tentou demonstrar segurança, tentou mostrar que aquilo não a afetaria tanto. Que nem sabia realmente se gostava dele, ou se ele era só uma cara especial que a fez esquecer um outro que não a merecia. Falou um bocado. E quase o convenceu, se no último minuto ela não tivesse pedido um último momento com ele.
E naquele momento ela o perdeu de vez. E com ele, foi junto seu orgulho, sua paz. Ninguém consegue gostar de outra pessoa que não tem um pingo de amor próprio. Que se entrega dessa forma desenfreada. Com essa carência e insegurança.
E ela se odiou por isso. Não pela cruel sinceridade dele, ou pela dureza de suas palavras. Mas por ser tão fraca, passional e submissa. Por não ter ouvido tudo calada, dito ok, ter ido pra casa e esquecido que ele existe.
Odiou-se ainda mais pelo primeiro beijo. Pelas noites juntos. Por todas as vezes que pensou nele com carinho. Por entrar nessa história, mesmo sabendo que não ia acabar bem. Por se deixar envolver. Por todos os encontros forçados. Por deixar que ele fosse a única alegria de suas festas. Por querer fazer parte da vida dele. Por ter sido alertada tantas vezes e não ter ouvido ninguém. Por ter deixado pessoas bacanas simplesmente passarem.
Ela chorou copiosamente o dia inteiro. Eram ódio, tristeza e vergonha misturados. Preferiu a solidão do seu quarto, do que os inúmeros convites pra sair. Não ia ser uma boa companhia pra ninguém. Também não queria ficar se lamentando e dando explicações às pessoas sobre sua tristeza aparente. Aquele tempo tinha que ser só seu. Da única culpada pelo seu sofrimento.
Ela sabia que ia passar. Demandava paciência e bom senso, mas ia passar. Aquela angústia ia desaparecer. A vergonha se transformaria em indiferença. E um dia ele seria apenas só mais um. Mas até lá, ela ia ter que aprender a conviver com o que sobrou da sua teimosia.
Ela procurou tanto, que achou. Provou do seu próprio veneno. Agora só precisava de tempo pra descobrir um jeito de se perder de novo.


Músicas do dia: Love Is A Losing Game, Amy Winehouse; Último Romance, Los Hermanos.

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