segunda-feira, 28 de julho de 2008

Entre muricis

Depois de 6 anos afastada do paraíso, retornei.
A idéia foi despejada e aceita na hora. Era uma boa hora pra viajar, ainda mais se fosse pra lá.
Preparativos, ansiedade, e por fim o desejo concretizado.
Sexta-feira, as malas prontas, uma ranger, amigos, uma garrafa de uísque, boa música e o coração cheio de saudades.
A pressa de chegar era tanta que, mesmo sabendo o caminho "du coeur", conseguimos nos perder. Sabe os ingredientes mencionados acima? Pois é, faltava a aventura, a emoção de se perder entre os muricis (usando a frase apoteótica da Fly, proferida no meio do caos).
Foi quando avistamos as dunas, aquele mundo de areia, debaixo de um céu de estrelas.
Era Jeri. Os íntimos a chamavam assim.
E essa intimidade voltou à minha cabeça imediatamente, assim que a avistei.
As mesmas ruas, os mesmos cheiros, o mesmo vento lambendo meu rosto.
Era tudo igualzinho, só que diferente.
Não entendeu? É...não é pra entender mesmo. Só vivendo o que vivi em Jeri pra saber.
As imagens se misturavam, presente e passado. Era tudo muito nítido, intenso.
E pensei, nunca mais passaria por aquilo de novo. Por mais que a viagem atual prometesse, nada seria igual àquele reveillon de 2001/2002. Nada.
Não existiria o trio Ceci-Jamba-Kel. Nenhum mineirinho com chapéu de duende pra me enfeitiçar e pra se apaixonar pelo meu nome. Nem fogos de artifício na duna pôr-do-sol, nem o primeiro beijo do ano. Nem barracas de um calor infernal. Não existiriam as mesmas cores enfeitando o ar. Nem o sentimento bom de uma paixão fresca e avassaladora, dessas que, mesmo sem querer, me seguiu até quando mudei de cidade. Nem choros, cartas, conversas, amigos e lembranças pra uma vida inteira.
Eu estava ali de novo, e tentei fazer com que, pelo menos, valesse a pena.
E valeu. Dois dias que tentei transformar em cinco.
Mas a gente sabe que tudo que é bom dura pouco, nunca é suficiente. Menos ainda quando se acha que seu lugar é ali, que sua casa mudou de endereço. Quando a melhor a sensação do dia é enfiar seus pés descalços na areia morna, e se sentir livre, fazendo parte do contexto.
Ir embora machucou um pouco. Não como da última vez. Mas é impossível sair do meu paraíso e não deixar um pedaço de mim.
A metade do coração que trago comigo dói até hoje.

Músicas do dia: Three Little Birds, Bob Marley; Beautiful Day, U2; Vamos Fugir, Gilberto Gil.

quarta-feira, 16 de julho de 2008

Menstruada


"Sim, nossa alma menstrua.
A alma fica fértil - nalgum momento, a gente é capaz de procriar. E descobre que mamãe estava errada: virar mulher não é ter cólicas, nem usar absorventes.
Sem perceber, a gente dorme criança e encontra a calcinha da alma encharcada.
A gente vai decidindo tudo: o financiamento do carro, o armário de seis portas, aquela viagem há tanto tempo desejada. Sem perceber, a gente vai aprendendo a optar, e descobrindo, aridamente, que tudo é um grande jogo de escolhas. Permitir intrusos, aceitar ofensas, abaixar a voz, engolir a mágoa, aquele filho que não fizemos, o casamento que não teremos, o porre perfeitamente escolhido, o banho quente no dia ruim.
A alma menstrua.
Nalgum momento, a gente se dá conta de que somos responsáveis pelo que nos causam.
É dolorido, sim. A gente acorda mais molhada, mais doída, mais distante. Mais serena. Mais presente. No presente.
De repente, acordei assim.
Acendi uma vela de sete dias (nem sei se por superstição ou vontade mesmo de que as escolhas sejam iluminadas), coloquei o lixo pra fora, tirei aquele cara do caminho, me perdoei pela boa esposa que não consegui ser, senti saudade de um beijo antigo e leve, vesti meu cachecol, escolhi esmalte novo, comprei pipoca com bacon, porque já não é mais possível culpar este ou aquele.
Dei-me conta das limitações que são tantas. Dei-me conta das escolhas erradas, repetidas vezes. Dei-me conta do cansaço que causo, do sossego que não me permito. Dei-me conta de que, sem perceber, a alma menstrua.
E a gente acaba com cólica de si mesma. Do que permitimos aos outros, do que não nos permitimos. Enquanto a vela queima, vou queimando decisões erradas. Mas no fundo, ainda alegre, porque cedo ou tarde, seria preciso que essa alma sangrasse..."
Raquel Lemos

Música do dia: Strawberry Fields Forever, The Beatles.

segunda-feira, 14 de julho de 2008

Ausência

"Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar os teus olhos que são doces
Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente exausto.
No entanto a tua presença é qualquer coisa como a luz e a vida
E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz a tua voz.
Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado
Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados
Para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada
Que ficou sobre a minha carne como uma nódoa do passado.
Eu deixarei... tu irás e encostarás a tua face em outra face
Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada
Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu, porque eu fui o grande íntimo da noite
Porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa
Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço
E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado.
Eu ficarei só como os veleiros nos portos silenciosos
Mas eu te possuirei mais que ninguém porque poderei partir
E todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves, das estrelas
Serão a tua voz presente, a tua voz ausente, a tua voz serenizada."
Vinícius de Moraes

Hoje não poderia escrever nada além disso - os amores e as dores de outro. Dele, que amou tanto e tão profundo, que acaba tornando a minha dor ainda mais ridícula.
Melhor assim, confessar minha mediocridade, minha facilidade de cair no círculo dos que amam da forma mais carente e idiota.
Hoje eu tô down, sim! E que ninguém queira me tirar dessa letargia. É doída como o quê, mas merecida.
Quem sabe um dia eu aprendo.

Músicas do dia: Down em Mim, Cazuza; Pale Blue Eyes, Lou Reed.

domingo, 13 de julho de 2008

Tentação

Mais uma vez ela caiu em tentação.
Achava até que nunca mais fosse provar daquele gostinho bom. Tinha saudade. Adorava mexer com fogo, mesmo sabendo que ia acabar se queimando.
Há algum tempo que nada acontecia, estava tudo calmo demais. Pelo menos aparentemente. Precisava que seus atos seguissem seu coração.
Foi quando ela procurou a tentação em pessoa.
Olhou nos olhos dela. Ouviu sua voz. Sentiu sua respiração.
"Tentação é o sentimento que alguém tem quando deseja tomar uma atitude que contraria seus valores e crenças." E era assim que ela se sentia. Contrariando o bom senso, mas seguindo uma vontade incontrolável.
Sabia que nessa história existiam dois lados. Um que repele e outro que atrai. Mas onde começava um desses sentimentos e terminava o outro? Não sabia responder. Ontem à noite ela não tinha respostas, nem procurou por elas.
A tentação se personificou nele. E ela só conseguia ver como ele era lindo. Como sua conversa era interessante. Só conseguia sentir como seu beijo era bom. Seu coração tendia pro dele mais que nenhum outro.
Amanhã eu penso nisso, falava pra si mesma. Por que não aproveitar essa noite? O outro dia estava tão distante...e ela tinha mais coisas com que se preocupar.
Como, por exemplo, as mãos dele afundadas no seu corpo. As palavras pronunciadas com aquela voz rouca ao seu ouvido. A pressão do quadril dele no seu. O sorriso que a rasgava por dentro.
Aliás, por que nunca tinha prestado atenção naquele sorriso? Era limpo, solto. Nessa noite ele tinha o sorriso mais lindo do mundo. Era fácil se derreter com ele.
Talvez não tivesse notado antes porque não tirava os olhos daquele azul hipnotizante. Devia ser isso.
Mas ali, naquele momento só deles, deu tempo de ver tudo, cada detalhe. Tudo foi tão natural, se encaixou tão perfeitamente, que ela descobriu que podia fazer isso todo dia. Sem enjoar. Assim, ceder completamente era fácil.
Não queria que ele saísse da sua cama, quanto mais da sua vida. Queria paralisar aquele instante. Por isso, nem chegaram a dormir. Uma noite era pouco pros dois.
Mas, sem perceber, o sol despontou avisando que era hora de se separar dele. Fingir normalidade. Encarar a realidade sem ele.
E ela passou o dia meio anestesiada. Era uma mistura de euforia e melancolia que ela não sabia explicar. Não sabia o que falar pras pessoas que perguntavam o porquê daquele olhar diferente.
Só podia dizer que tinha tido um sonho bom. E que pra acordar foi complicado.
O pior foi voltar pra casa no final do dia. Doeu seu coração.
Ver a bagunça deixada pelos atos da noite anterior lhe renderam vários minutos de suspiro. Queria deixar tudo como estava. Talvez assim ela sentisse a presença dele ali por mais tempo.
Ficou imóvel por vários instantes, deitada, encolhida na cama. Sentir que o cheiro dele continuava nos lençóis a fez chorar. Dormiu sentindo o vazio de quem erra.
Mas não podia se lamentar. Ela procurou por isso, sabia que ia ser assim.
E queria mais.
É incrível como só um empurrãozinho pôde jogá-la no abismo de novo. E sem fundo.

Músicas do dia: Azul, Djavan; Espelhos D'água, Beto Guedes.