segunda-feira, 28 de abril de 2008

Assombração

Ela, nem por um minuto, imaginou aquele encontro.
Talvez tenha desejado, num passado distante, não agora.

Não imaginou que estava sendo perseguida pelas coincidências.
Saiu naquele dia simplesmente pra se divertir. Saiu feliz.
Nunca poderia prever que voltaria completamente desolada. Destruída.
Ele finalmente, por sorte e companhia, conseguiu falar com ela. Ela via nos olhos dele seu contentamento. Ele quase sorria.
Ele conseguiu quebrar de novo a muralha de paz há algum tempo reconstruída.
Depois de um ano, ela foi obrigada a cumprimentá-lo como a um conhecido que se esbarra em uma esquina. Um "olá" que rasgava sua garganta como fogo. Aquilo doeu, e essa sensação durou ainda por algum tempo. Na verdade, aquele cumprimento a violentou brutalmente.
O que ela mais queria era dizer o quanto ele era detestável, monstruoso.
De repente, ela até deixou transparecer isso, a sua cara de nojo era visível. Mas queria ter falado em alto e bom som, cuspido aquilo na cara daquele ser desprezível que um dia ela chamou de amor.
Qual o direito que ele tinha de entrar na vida dela depois de tanto tempo e de tudo que foi vivido, sofrido e que a atormentou?
Por hora, a velha tapa com luva de pelica funcionou, mas o que ela queria mesmo era ter descido do salto e batido com toda força naquela cara deslavada e mau caráter.
Sem receber muita atenção, ele saiu sorrateiro como um rato. Voltou à sua posição de cafajeste, olhando-a de longe, devorando-a com os olhos. E ela chegava a sentir aquele olhar falso, mas penetrante, em suas costas.
Ela não sabia explicar a sensação que sentiu naquele momento. Se sentiu compelida a encará-lo. Sentiu a obrigação de ver a ilusão de ter esquecido daquele amor se deteriorar na sua frente.
E sentiu ódio de si mesma. Ela era dele de novo. Aliás, ela nunca tinha sido de outro depois dele, por mais que ela tivesse se enganado - inconscientemente, diga-se de passagem.
Sentiu mais raiva de ver que, mesmo que ele não tivesse lutado por ela, ela continuava ali, enfraquecida por aquele simples olhar cortante.
Ele não resistiu e se aproximou - ela sabia que isso aconteceria, e podia até confessar que esperou por isso. Aquela noite estava fadada a isso, a um desfecho memorável e ridículo.
"Por que você está fazendo isso comigo?" ainda soa nos ouvidos dela.
A única vontade que teve foi de rir, um sorriso de escárnio e nervosismo. Foi o que fez, e mais nada. Nada que realmente pudesse colocá-lo no seu devido lugar: fora da vida dela.
Ela perdera talvez a única chance de revanche.
Ao chegar em casa, chorou feito criança, relembrando todo o sentimento, tempo, carreira e dinheiro desperdiçados com aquele verme que um dia foi "o amor de sua vida".
Lembrou sua entrega, sua paixão, sua cegueira, sua ingenuidade. Recordou sua depressão e a sensação de morte. Da audácia dele de ir até ela naquela noite. Da pose de vítima e de falso saudosismo. Da medíocre atuação de ainda sentir alguma coisa por ela.
E relembrou, por fim, que ela deixou uma brecha por onde ele passou...agora seu coração habitava um fantasma novamente.

Músicas do dia: Same Mistake, James Blunt; You Had Me, Joss Stone; Tenha Dó, Los Hermanos.

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