"Sem risinho eu mantive o pedido, fazendo dele algo mesmo. Um  murro, você escolhe o lugar. É isso mesmo? Claro que não, seria terrível  conviver com isso. Então espero do fundo da minha alma que você possa  continuar ouvindo isso sem jamais me saciar. Mas era um minuto tão  escuro de uma hora que nem existe, então, quis te dar essa honestidade  que nem poderia ser contada pra não perder seu caráter. Eu queria mesmo  era um murro. Não o dado porque se ama, o dado com a secura e a  realidade de não significar nada. Pra ver se mata ou acorda isso que,  também em nome da realidade e da secura, não vou significar.
 Isso que queria um murro pra doer onde se fala tanto de uma dor que não  se sabe ao certo onde bate. Um murro na boca. Isso que precisa do limite  da força pra suportar caber em alguma aresta que sou eu mesma. Isso de  doer pra ser bom, que podemos fazer se no fundo funciona também assim? 
 Isso de apenas ser um murro, algo tão absurdo. Algo que acaba sendo  alguma verdade nunca dita causando assim tantos problemas ditos até que  todos não se suportem mais. Se as pessoas simplesmente pudessem pedir,  assim, vai, me dá um murro, quantos jantares e viagens e noites e festas  e conversas e histórias seriam salvas. 
 Tá, eu vou metaforizar, afinal, é assim que acabo cabendo no que sinto  ou ao contrário. Eu queria um murro massagem cardíaca. Queria um murro  reboot de cabeça. Um murro pra sentir aquele salgado quente azedo doce  na boca, pra ser vampira de mim, fome de mim, um murro pra me sentir e a  violência que me amedronta tanto não ser culpa minha. Um murro para eu  amar o mal fora de mim, mas sempre precisando dele. Sempre lutando pra  segurar o sangue na boca ainda que seja inevitável me escorrer vermelha  em cima de qualquer coisa que me faça precisar de ar. O mal arrebentando  minha boca e dentes e cordas vocais sempre segurando tanto potencial  pra dizer e estragar tudo e ficar livre e querer dizer pra resgatar tudo  e ficar livre. E nunca se fica livre porque nunca se fica bem. Um murro  pra ter o que cuspir, o que costurar, o que esperar. Pra ver a ferida e  não ser a ferida. Pra cuidar de uma ferida que pode se ver e esperar.  Pra poder ficar quieta. É isso. Um murro na boca. Bem dado. Para eu  ficar quieta. É isso. Eu sou um marido que não agüenta mais sua mulher.  Eu não agüento mais a minha mulher. Cala a boca!
 Não é sexual, tapinha, coisa de gente que escuta samba e faz piada com  pandeiro. Não é doença protegida por açúcar e língua. É raiz à seco. Não  é pra exorcizar a merda e correr pro banho e correr pra festa e correr.  É murro de cair no chão e enxergar cantos distorcidos de teto se  fechando. É um murro bem dado, numa rua sem árvore com flores amarelas.  Em algum lugar onde as pessoas falam sueco e escutam húngaro. Em algum  lugar onde o azul defunto e o branco dia nada não seja efeito de  cineasta perturbado. Um murro terrível, impossível de perdoar,  impossível de ser amor, impossível de continuar. E então eu poderia  dormir ao seu lado. Cansada, ensangüentada, sem nenhuma espera, acabada,  sem amor, sem dente, sem sangue, sem ser gente, principalmente sem ser  mulher. E então eu poderia só porque não correria mais o risco de levar  um murro."
 
Música do dia: Stuck in a Moment, U2.